Esportes
Big Mac do Obina, "sequestro" de Somália e os memes do inglês: Joel Santana conta histórias da carreira
Ao Área Técnica, King do Rio revela maior arrependimento no futebol, monta time ideal, detalha substituição decisiva na final da Mercosul e desabafa sobre Cabañas: "Aquele cara me arrebentou"
| GLOBOESPORTE.COM / ROBERTO MALESON
Joel Santana ou Papai Joel. Um dos treinadores mais emblemáticos do futebol brasileiro carrega não apenas uma coleção de títulos em sua longa carreira, mas também uma infinidade de histórias que marcaram a sua trajetória. Um ícone do esporte no país, Papai Joel abriu o jogo em uma entrevista de cerca de duas horas ao Área Técnica, quadro do ge.
Com quase 50 anos de futebol profissional entre as carreiras de zagueiro e treinador, Joel Santana é uma figura querida no esporte brasileiro. No longo papo, Joel disse que não pretende se arriscar mais na política após a tentativa frustrada nas últimas eleições, listou os clubes que faltou comandar na carreira e fez elogios ao novo treinador da seleção brasileira. Joel ainda revelou que seu maior arrependimento no futebol foi não ter aceitado o convite de Parreira para ser seu auxiliar na Copa do Mundo de 1994, quando o Brasil se sagrou tetracampeão.
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Com um perfil paizão, o técnico tratava os jogadores como filhos, mas prezava pela disciplina. Ele relembrou uma história curiosa dos tempos de Flamengo, marcada pela dificuldade de Obina em seguir a dieta. A comissão técnica se intrigava com o fato de o atacante encerrar o dia com um peso e, inexplicavelmente, reaparecer mais pesado no treino seguinte.
- Porra, Obina treinava de manhã e de noite, saía no peso direitinho. Chegava no outro dia, fortinho de novo. Puta que pariu. O que esse cara tá comendo de noite? Aí, um belo dia: “Obina, presta atenção. Eu deixo você em casa direitinho. No outro dia você vem em casa mais gordinho. O que está havendo contigo, rapaz?' Obina morava perto do Flamengo e embaixo da casa dele tinha sabe o quê? Um McDonald's. “Professor, estou vendo televisão, começa a entrar aquele cheirinho pela janela, aquele cheirinho gostosinho de hamburguer e cheeseburguer. E vem minha mulher e diz: Obina, eu vou lá embaixo pegar um Big Mac. Você não quer não? Eu não resisto, professor. Ela vai e pega para mim também. A gente come um ou dois Big Macs e eu vou dormir.'
O treinador então recorreu à esposa do jogador, pedindo a ajuda dela para tentar controlar a dieta do marido. Joel convocou uma reunião com Obina e sua família no Flamengo para buscar uma solução.
- Minha senhora, me ajuda. Só a senhora pode me ajudar. Se a senhora ajudar esse rapaz que está aqui, o Obina, a senhora vai morar bem. Com a filhinha no colo, pequenininha. Mas foi muito engraçado isso. A senhora me ajuda, vai ajudar sua filhinha, vai ajudar todo mundo, vai me ajudar também. Eu preciso dele, mas ele precisa também da gente. Senão, ele não vai conseguir nada, ele vai engordar e quando chegar aos 28, 29, 30 anos, ele já está fora. Aí, peguei a neném no colo e ficava balançando a neném. “Senhora me ajuda a fazer isso? Eu vou ajudar. Nós não vamos mais comer Big Mac, né Obina? Não.' Aí, essa criança pequenininha. De repente, ela dá um risinho. Aí o Obina: ela tá rindo. “Quer ver essa criança sorrindo? Faz o que eu tô te pedindo.' Ô, papai ela tá rindo no teu colinho. Que bom! Eu vou fazer. Pode deixar, tudo bem.
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Caso Somália
No dia 5 de janeiro de 2011, o Botafogo iria fazer a reapresentação do elenco para o início da temporada sob o comando de Joel Santana. O ex-volante Somália, decidido a justificar a ausência na reapresentação do grupo, citou que havia sido vítima de um sequestro. Uma falsa comunicação de crime. Relembre o caso aqui.
Treinador do Botafogo na época, Joel Santana destacou a importância do jogador para o elenco naquele momento, mas já sabia do histórico de falta de disciplina do atleta. Joel desconfiou da história do sequestro assim que Somália lhe contou o que havia acontecido.
- Ele chegou fingindo que estava cansado. O que foi, Somália? O que houve, meu filho? Meu Deus! Fala aí. Segurança, chega aí! Professor, você não sabe o que aconteceu. Eu estava vindo no meu carro quando cheguei na Avenida Brasil para chegar aqui no Botafogo, eu fui sequestrado. Foi o quê, Somália? Sequestrado. Ah, você foi sequestrado? E agora, professor? O que que eu faço? Você vai lá no vestiário, muda de roupa para começar a brincadeira e dá dez voltas em volta do campo para você começar a pagar esse sequestro. A gente reunia e cada pessoa que chegava atrasado pagava um dotezinho.
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The right, the left, the medium
O peculiar inglês de Joel Santana ganhou o mundo durante sua agem no comando da seleção da África do Sul. Antes dos memes se espalharem pelo Brasil, o treinador explicou que houve um pedido do grupo de jogadores para que ele falasse em inglês com os atletas porque todos o entendiam.
- O meu inglês era um inglês que todo mundo entendia. Aconteceu um lance lá. Eu tinha uma intérprete que era uma menina. Era filha do Tita. Mas aí trocou por uma da região. Mas só que a minha intérprete, a do Tita, falava um português que eu entendia e tinha um inglês fluente. A outra menina falava um português de Portugal. Até eu não entendia direito. O inglês dela era meio confuso também. Chegou um dia, a imprensa, juntamente com os jogadores, falou assim: “Olha, professor, vamos fazer o seguinte. Não interessa como é que você fala. Você fala do seu jeito que nós entendemos. É porque a menina não fala do jeito que a gente queria ouvir." Que jeito que vocês queriam ouvir? De coração, forte, entendeu? Incentivado.
Em uma entrevista dada em inglês, Joel Santana viralizou com sua pronúncia peculiar: “the medium, left, the right, the pressure'. Mais tarde, percebeu que aquilo acabaria virando piada. O episódio ganhou repercussão, deu origem a paródias e, eventualmente, despertou o interesse de uma empresa de shampoo. Joel foi convidado para estrelar uma campanha da Head & Shoulders. Inicialmente prevista para um único comercial, a ação foi um sucesso e se desdobrou em mais outras peças publicitárias, sempre com o apoio das chamadas "Joelzetes".
- Aconteceu que uma companhia de shampoo fez uma propaganda comigo. Head & Shoulders. Cabeça é head. The best shampoo is Head & Shoulders. E eu fazia com as Joelzetes. Aquilo deu um show. Era para fazer uma, fiz mais de dez. Então, conclusão: teve até música. As Joelzetes cuidando de mim. Pra falar a verdade, eu não sei até hoje porque parou essa propaganda. Eu comecei a fazer outros, até apareceu do macarrão, apareceu um monte, muitos cursos de inglês. Aí, eu falei: deixa eu ficar com o meu inglês mesmo, como é que está. Tá pingando todo mês, tá pingando certo. Se eu começar a falar correto, ninguém vai me contratar mais. E eu conseguia falar com meu inglês, do meu jeito, do meu modo: the right, the left, to the right, to the medium e vai por aí.
Joel ainda revelou uma tentativa de uma propaganda principal com as Joelzetes em uma banheira. Porém, o técnico não quis seguir com a proposta.
- A coisa estava indo tão bem. Aí o cara falou: agora, nós vamos fazer a principal de todas, depois de ter feito um monte delas. Qual vai ser? Vai ser você sentado em uma banheira, de calção de banho, as Joelzetes lavando a tua cabeça e te dando banho. Aí, não vai certo. Aí chega. Sorry, my friend. Já pensou as Joelzetes lavando a minha cabeça? Ah não. Não ia dar certo mesmo (risos).
Cabañas e a trágica eliminação para o América do México
Um enredo para lá de dramático. Após uma vitória soberana por 4 a 2 sobre o América do México no jogo de ida das oitavas de final, o Flamengo precisava de um empate simples para avançar de fase na Libertadores. Com quase 50 mil torcedores no Maracanã, a despedida de Joel Santana, que deixaria o Flamengo para assumir a seleção da África do Sul, teve um roteiro amargo. A derrota por 3 a 0 frustrou o sonho da torcida e encerrou de forma melancólica a agem de Papai Joel. O treinador ainda tem pesadelos com o atacante Cabañas, autor de dois gols na partida.
- Perdi aquele jogo daquele tal de Cabañas. Aquele cara me arrebentou. Esse miserável (risos).
- Os jogadores foram no meu quarto me pedir para eu ficar. Mas a diferença (salarial)... Eu tinha família, né? Sabe como é que é treinador. Venceu é ótimo. Perdeu... E aquilo me emocionou muito antes do jogo, porque eu quando desci, saí do vestiário e desci tinha uma corrente de criança enorme. Todo mundo me dando a mão. “Você vai embora?' Vazou rapidinho. No Maracanã tinha 50 mil pessoas gritando fica! Eu comecei a chorar por dentro. Eu não tenho condição. Porque tem coisas na vida que não tem condição de atuar. Mas aconteceu.
Final da Mercosul de 2000
No dia 20 de dezembro de 2000, Vasco e Palmeiras protagonizaram um dos maiores jogos da história do futebol brasileiro, na terceira partida da final da Copa Mercosul de 2000. Naquela noite, no antigo Palestra Itália, o Vasco saiu perdendo por 3 a 0 no primeiro tempo, mas virou para 4 a 3 na segunda etapa e ficou com o troféu.
Depois de dois jogos, cada um com um vencedor, Palmeiras e Vasco duelavam em São Paulo pelo título da competição, que valia como a atual Sul-Americana. Os donos da casa logo abriram 3 a 0 de vantagem e se sentiram confortáveis. Esqueceram-se, porém, que Romário e companhia estavam do outro lado. Joel Santana explicou que a mudança feita no intervalo foi decisiva para a remontada vascaína. A saída de Nasa para a entrada de Viola mudou o panorama e ajudou na vitória.
- O Palmeiras atacava muito pelo lado direito. E parece que o zagueiro central do Palmeiras, o cabeça de área do Palmeiras daquele lado, era um cara improvisado. A vitória não foi só minha. Foi dos jogadores também que fizeram aquilo que nós pedimos. Nosso time agredia muito. Com a bola era maravilhoso, mas sem a bola a gente não tinha nada. Então, eu troquei a maneira de jogar. Eu jogava com quatro no meio, joguei com três. Eu fiz uma alteração tática. O Euller e o Viola não vinham mais pelo lado. Eles vinham por dentro do campo e foi ali que a gente decidiu. O time encaixou a defesa.
- Eu fiz uma árvore que eu chamava de árvore de natal. Os caras não vinham perto pelo lado, eles vinham por dentro. Se tu ver que todo o nosso jogo era praticamente do lado esquerdo. Ali do lado esquerdo sempre tinha alguém fazendo a jogada. Sempre por ali. Todo mundo caía ali e ali é que estava o mel da jogada. E eu fiquei preocupado com o seguinte. Quando eu fiz um dos gols, eles ficaram para mexer no time, mas só que nós fizemos outro gol. Aí como era lá dentro, o cara (técnico Marco Aurélio) ficou com medo de mexer porque a torcida do Palmeiras ia vaiar. Mas aí, nós vencemos o jogo.
Seleção ideal
Joel Santana teve o privilégio de comandar muitos craques em sua longa carreira de treinador. O ge convidou o técnico a dura missão de montar o seu 11 ideal entre os jogadores que foram seus atletas. Nomes como Léo Moura, Dunga, Roberto Dinamite e Romário entraram no time. Veja abaixo:
Bate-pronto
No quadro, o convidado dá respostas curtas e rápidas sobre tópicos de sua carreira no futebol. Joel Santana elegeu Fábio Luciano como maior líder de vestiário que comandou e colocou Romário como seu maior craque que treinou. O maior arrependimento foi não ter aceitado o convite para ser auxiliar na Copa do Mundo de 1994. Veja tudo abaixo:
Ídolo da infância? Brito, zagueiro do VascoMaior amigo no futebol? Com muitos amigos no futebol, Joel citou vários nomes: Paulo Angioni, Isaías Tinoco, André Silva, Ricardo Rocha, Dudu, Jair Ventura, Marcelo Fera, Antônio Mello, Parreira, Sebastião Lazaroni e Ronaldo Torres.Melhor dirigente que trabalhou junto? Joel citou vários nomes: Paulo Maracajá. Paulo Carneiro, Eurico Miranda, Antônio Calçada, Kleber Leite.Título mais importante? Título é título. Nós conquistamos praticamente tudo ou quase tudo na vida.Derrota mais dolorida na vida? Essa do Santos, essa do gol do Pet, do Cabañas.Maior arrependimento da carreira? Não ter aceitado o convite do Parreira para trabalhar na seleção brasileira em 94. Parreira me convidou pra seu auxiliar dele e eu não pude ir. Eu tinha certeza que o Brasil ia ser campeão e foi campeão.Time que mais temia enfrentar? No momento que eu assumia como técnico, eu nunca temia. Eu respeitava, mas não temia.Maior craque que treinou? Romário.Maior craque que você enfrentou? Zico.Melhor jogador do Brasil hoje jogando no futebol brasileiro? Eu gosto do Neymar, mas não estou gostando do que ele anda fazendo.Jogador mais resenha que comandou? Na concentração era o Romário. Dia de jogo era o Vampeta.Líder de vestiário que mais ajudou? Fábio Luciano.Estádio mais bonito que você já ou? Maracanã.
Íntegra da entrevista
Pós-carreira no futebol
- Nós trabalhamos bastante no mundo do futebol. Entrar é fácil, o difícil é você sair. Eu achei que estava na hora de sair porque estava chegando novos treinadores. Algumas coisas que vem acontecendo dentro do futebol, eu não participo e não sou fã dessas situações. Pode vir técnico de qualquer lugar do mundo. Nós estamos aqui para aprender com todo mundo, mas menosprezar os técnicos brasileiros, isso jamais . Eu sou uma pessoa formada pela Federal do Rio de Janeiro. Trabalhei em todos os clubes aqui no Rio, no Flamengo, quatro ou cinco vezes, Botafogo, Vasco. Fluminense. Olaria, América. Vitória, Bahia, Internacional, Cruzeiro. Eu vou esquecer de alguém aí. Me desculpe. Então, eu ei por uma maioria dos clubes, viajei um pouquinho, trabalhei no Japão, fui técnico da seleção da África do Sul. Trabalhei nos Emirados Árabes, trabalhei na Arábia Saudita, no Hilal e no Al-Nassr. Fui campeão no Nassr e no Hilal, trabalhei no Shabab, trabalhei no Equifaq. Cara, eu trabalhei bastante, andei bastante.
- E eu resolvi, acima de tudo, dar uma paradinha, dar um tempo. Porque para eu revitalizar a minha vida e revitalizar meu currículo e sentir melhor o que está acontecendo, principalmente agora que chegou um técnico. Esse sim nós vamos aprender bastante da seleção brasileira, o Ancelotti. Nós vamos aprender bastante, porque é um técnico vencedor. Ele vai sofrer um pouquinho, mas ele vai conseguir porque é uma pessoa muito experiente e vai nos dar, acima de tudo, mais conhecimento no que diz respeito à parte que os europeus estão fazendo, que o brasileiro não anda ando nem pelo sul-americano direito, ainda mais pelos europeus.
Livro Joel Santana: King do Rio. O que que o fã do futebol vai encontrar nesse livro?
- Nós fizemos esse livro aqui em vista do quê? De mostrar para as pessoas que me seguem, a minha vida, o começo da minha vida, o começo como tudo aconteceu. Então não foi fácil. Sou de Olaria, da Rua Bariri, pé no chão. Colégio público. De Olaria, eu saí para conhecer o mundo, graças a Deus. E botei a minha história aqui nessas folhas. O início da minha história, que vai ter o dois e vai ter o três. Depois é que o bicho vai pegar. Algumas pessoas participaram desse livro, no caso Romário, no caso Bismarck, no caso Túlio. E o livro está legal, está bonito, está gostoso? Não é um livro que fica cansativo. É um livro toda hora eu estou ando de história para história: história de Vasco, história do Flamengo, história de Fluminense, de Botafogo, de Olaria, enfim, da minha vida profissional aquilo que foi feito. Porque não é fácil você ar por esses clubes todos e você ir lá e ganhar.
- Esse King do Rio, o verdadeiro King do Rio, porque algumas pessoas queriam tomar o meu lugar. Isso não é bem assim. Espera aí.
Outra questão no seu pós-carreira é o teu canal no YouTube. Você já entrevistou Zico, Deco, Júnior e até o Somália tá lá no teu canal. O que que tem de episódio legal lá que o pessoal pode encontrar?
- Entrevistamos isso tudo. Roberto, Romário, Zico, Júnior, Bismarck. O Somália me ajudou muito e foi dado uma ordem a ele. Ordem tática, porque os laterais do Botafogo, do Fluminense, do Vasco, me agrediam muito por aquele lado. Eu precisava botar o lateral marcador e coloquei o Somália ali. Ele é um jogador que se adaptava em qualquer posição, além de ser um meia, jogou de cabeça de área, lateral-esquerdo, lateral-direito. Somália é um polivalente, mas meio desobediente. E aí dois fatos que aconteceram. Um fato foi que nós estávamos reunidos um dia antes de começar o treino. O Somália não chegava. Falei: pô, não é possível, cara. Aí eu olhei assim no grupo. Quem tá faltando? Você sabe quem é. Sabe como é jogador. Eu já disse: “já sei, é aquele cara, né?' Ele vai chegar aqui e vai contar alguma história. Eu duvido se ele vai dizer que foi sequestrado. Não deu outra.
- Ele chegou fingindo que estava cansado. O que foi, Somália? O que houve, meu filho? Meu Deus! Fala aí. Segurança, chega aí! Professor, você não sabe o que aconteceu. Eu estava vindo no meu carro quando cheguei na Avenida Brasil para chegar aqui no Botafogo, eu fui sequestrado. Foi o quê, Somália? Sequestrado. Ah, você foi sequestrado? E agora, professor? O que que eu faço? Você vai lá no vestiário, muda de roupa para começar a brincadeira e dá dez voltas em volta do campo para você começar a pagar esse sequestro. A gente reunia e cada pessoa que chegava atrasado pagava um dotezinho. Esse tipo de coisa.
- A outra foi o seguinte: Somália, você não a do meio de campo. Os caras pegaram na bola, encosta logo no lateral que eles vão querer sair. Pegou a bola, você joga um pouquinho, a no meio de campo e fica só de olho no cara. Aparece para jogar, toca aqui, toca ali e sai para jogar. Tá bom? Tá bom. Aí agora mesmo... Somália ou a primeira, ou a segunda, ou a terceira... chama! Chama o viado do Somália aí, porra! “Somália, se você ar do meio de campo, eu vou tirar você agora, Somália. Vou tirar você agora, Somália.' Não, professor. Eu não vou ar não. Isso foi contra o Flamengo. Somália também era abusado com esse negócio. Ele gostava de apoiar, mas não era para apoiar.
- O Somália era o seguinte. Eu levei ele para dois times. Depois me perguntaram sobre ele, eu apontei ele porque ele realmente era bom jogador. Mas aí era engraçado pra caramba porque o Somália animava o grupo.
Ele era bom de grupo, né?
- Bom de grupo e bom de bagunça.
Com a quantidade de informações de hoje, como é que faz para o treinador filtrar o que é útil para o jogador?
- Eu acho que você tem que ser o mais simples possível. Tu sabe que eu sou o homem da prancheta. Nós começamos com a prancheta e às vezes as pessoas até brincavam muito comigo que eu ia para campo, ficava na prancheta. E eu gostava muito de quadro magnético. Geralmente, o meu jogador não tinha mais do que duas obrigações, porque fica muita informação para o jogador e jogador, geralmente esquece ou a despercebido. Quando dava informação ao jogador, pergunta ao jogador. Entendeu? E aí, como é que foi? Se a bola vier por aqui, você vai para onde? Vou ali. Qual é o teu terreno de marcação? Esse daqui. Qual é o terreno de ataque? É esse daqui. E o time ia andar sempre junto. Você nunca deixar espaço, não só quando está atacando, não só como você está defendendo ou coisas parecidas. Você tem que se organizar e sair para atacar o adversário.
- Agora, se você a muitas informações, você enche muito a cabeça do jogador e jogador sabe como é que é. Você tem que ter atenção neles, porque tem a parte individual. Tu nunca tira a parte individual do jogador. Jogador é técnico, você vai aproveitar aquilo. Se o jogador é mais marcador, tu vai aproveitar aquilo. Então, você tem que ter acima de tudo uma informação correta, objetiva, que não encha muita a cabeça do jogador. O jogador é que decide a coisa.
- O período de treinamento era só de explicação no quadro magnético, porque ali você tem que conversar, e outra coisa: direção não entra para conversar com jogador, porque você inibe o jogador. Tem jogador que quer perguntar, mas vem o diretor de futebol... não pega legal porque às vezes o diretor de futebol, o presidente quer ver uma palestra e eu já tive vários problemas com isso.
Você tentava filtrar quem estava no vestiário?
- Sabe o que acontece? Você vai fazer uma palestra depois do jogo. Aí vai o presidente querer ver a palestra, pô. Aí, ele senta na frente. O jogador quer perguntar, porque eu dou a liberdade do jogador perguntar. Mas aí, ele vê o presidente do clube, ele não pergunta, ele fica inibido. Ele tá achando que perguntar uma coisa que não é certo, não sei o quê, mas pode perguntar. O bom é quando o jogador pergunta porque aí você tira totalmente as dúvidas do jogador e do time. Mas de vez em quando chega o presidente, um diretor de futebol, coisa parecida, ele não pergunta. Às vezes, ele vai com aquela dúvida, fica com aquela dúvida até o final.
- E outra: a preleção de jogo, você tem que ser curto e objetivo. Porque a de 30, 40 minutos, chegou a 1 hora, já cansa jogador. O jogador já fica sonolento, abrindo a boca, não presta atenção, já quer falar, fica inquieto. Quando o jogador começar a ficar inquieto, você já sabe, mas tudo que te dá isso é a experiência dentro de campo.
Você comandou centenas de jogadores. Quais foram os atletas mais inteligentes que você falava uma coisa e o cara já entendia e já executava em campo?
- Jogador inteligente entende rápido. Eu tive muitos bons jogadores. Tive Bismarck, que era um jogador extremamente inteligente. Tive o Vampeta, extremamente inteligente. Eu tive o Jorginho Jesus, era da seleção. Os dois Juninhos: Pernambucano e Paulista. Eu tive no Flamengo o Petkovic, que era inteligente. Nós treinamos uma vez para a gente cair uma jogada nele. Nós fizemos a jogada, fizemos o gol. Era muito jogador. Cara, eu vou esquecer de alguém. Eu tive o Obina, eu conheci na Bahia. Eu preparei o Obina para ganhar um jogo para classificar o Flamengo naquela saída que nós tivemos. Nós trabalhamos aquele jogo e ele fez um gol importantíssimo. Tive o Toró, que era um jogador pegador, marcador, um jogador super obediente. Sabe por que Toró? Toró jogava de meia ponta de lança e ele era atacante. Ele jogava tão bem de atacante que fazia chover. Aí, botaram o nome de Toró.
- Rapaz, eu tive muito jogador bom. O Mazinho foi um jogador importante também para mim. Do Botafogo, joguei com Túlio Maravilha, um jogador que me ajudou bastante. Loco Abreu foi um jogador também muito inteligente, uruguaio, esperto, inteligente, muito inteligente. O Dunga. Goleiros: Acácio, Júlio César. Nós tiramos ele de baixo. O Juan.
- Geovani foi um jogador que eu peguei garoto. Eu fui contratar o Geovani no campo do America com o Eurico. Ele custou na época 10 mil reais. Contratei o Geovani sabe como? Não era jogando não. Foi batendo pênalti . Quando ele bateu na bola, o goleiro ficou paradinho. Hipnotizado. Falei: “Eurico, vamos embora. Pode contratar.' Contratar? Você não viu nem ele jogar. Não precisa. O cara que bate um pênalti desse não precisa nem ver ele jogar.
- Eu só tenho uma tristeza de não ter trabalhado com um jogador: Zico. Eu queria ter trabalhado com Zico. Trabalhei com Tita, mas não trabalhei com Zico. Com o irmão do Zico eu trabalhei, Edu. Júnior é outro jogador também. Eu não trabalhei e eu tinha vontade de trabalhar. Inteligente, eu gostava de trabalhar com jogador inteligente. Tanto que saiu da lateral foi para o meio de campo e continuou a mesma coisa.
Como você se portava na preleção? Você falou que tinha que ser mais objetivo para o jogador não dispersar. Mas como é que eram as suas preleções? O que você procurava abordar?
- As minhas preleções eram complemento de preleção, porque tudo já tinha falado no decorrer da semana. Eu tinha a mania de anotar tudo o que eu fazia, falava e guardava porque uma vez se falar que eu não fiz, fiz sim. E meus preparadores físicos eu perguntava. E aí, o que que tu achou? Eu achei isso. Eu achei aquilo. Ah, que bom. Resumia aquilo tudo que eu anotava, treinava. Dia de treinar defesa, dia de treinar ataque. Eu sempre quando acabava o meu treino, fazia 15 ou 20 minutos de treinamento quase todos os dias para relembrar. Só na antevéspera e véspera de jogo que diminuía total. Eu acho que para você fazer um time bom tu tem que ter tempo de trabalhar.
- No dia da preleção, eu anotava os tópicos do outro time. Anotava tudo. Vou dar um exemplo pra você. Eu entrei no Vasco, o Eurico me chamou pra gente ir naquela Mercosul. Foi no domingo. Ele me ligou para minha casa. Fui encontrar com ele lá no Adegão. Ele falou: “Olha, estou te convocando. Me apresento quando? Agora de tarde.' Aí, eu fui lá, falei rapidinho para os jogadores. Quando fui dar o treinamento, eu tirei um jogador. Ele chiou, jogou a camisa no chão e foi embora. Eu fui atrás dele. Fui atrás dele. Falei: Tu vai sair do campo assim? Não vai ser bom para você não. Mas você me tirou do time. Não tirei do time. Apenas fiz uma mexida. Agora eu preciso fazer alguma coisa nesse time, porque senão vou perder o jogo em São Paulo. Eu não posso ficar com vocês três no meio de campo. O time é bom com a bola no pé, sem a bola, o time praticamente não marca. Preciso botar um jogador mais pegador. Aí botei o Nasa. Agora, se eu não te botar no jogo, depois você me cobra. Era um esquema montado. O nosso meio campo não ia aguentar.
- Chegou no decorrer do jogo, um jogador foi expulso. Aí, o cara achou que eu ia botar um zagueiro. Não. Eu botei ele. Moral da história: nós viramos aquele jogo. Ganhamos o jogo. ou o tempo. Seis meses depois, ele falou: “Professor, eu tenho uma proposta para sair do Brasil.' Aonde? Para a França. É mesmo? O senhor não podia falar com o doutor Eurico? Eu, rapaz, agora que eu te botei no time? Também fiz um drama. Agora que eu botei tu quer que eu tire? Ah, não vou tirar você não. Brincadeira. Vou falar com doutor Eurico. Hoje, toda vez que ele vem ao Brasil, ele me liga. O nome desse jogador é chamado Paulo Miranda. Paulo Miranda me ajudou.
Muitos treinadores elogiaram a tua capacidade de leitura de jogo, de entender o que estava acontecendo, fazer uma mexida, às vezes não só uma substituição, mas uma alteração tática no time que mudava...
- A nossa maneira de jogar era o seguinte. Futebol é o quê? É um jogo. O jogo tem o quê? Blefe. Tu tem que blefar. Blefar com o adversário. Achar que descobriu o que tu tá fazendo e tu dá uma mexida no time sem ele perceber porque ele vai querer perceber. Se ele te conhecer, ele vai perceber. E, às vezes, nós encontrávamos a forma, mas tem treinador que era muito inteligente, como era o caso do Abel (Braga). Mas eu tive alguns treinadores que eram muito bons. Um cara chamado Elba de Pádua Lima, Tim. Ele foi campeão no Vasco em 70, com o time que ele deu o título. Ele sabia das coisas. Eu estudava, né? Eu era o cara que prestava muita atenção.
- Eu trabalhei com Zagallo. Zagallo uma vez estava no Vasco e o Vasco ia jogar contra o Olaria e contra o Botafogo. Aí, ele falou: “preciso alguém que vai ver esse jogo.' Na época, eu não me lembro se foi o Paulo Angioni ou Humberto Torgado falou assim: “Joel, eu preciso que você veja esse jogo Olaria e Botafogo, na Rua Bariri'. Cheguei lá, uma confusão, eu disfarçado. Parece que esse jogo empatou. Soltaram um balão. Um balão quase caiu na minha cabeça. Balão pegou fogo. Rapaz, foi uma confusão danada. Mas eu anotando, anotando, anotando, anotando. Saí antes, um cara me conheceu. Esse cara é parecido com o Joel. É parecido com o Joel. Quando reconheceram mesmo, eu saí correndo. Os caras iam me meter o cacete. Eu na arquibancada da Rua Bariri. Aí cheguei pro Zagallo. Olha só. Cheguei para o Zagallo. “Professor, aqui está o que Olaria faz aqui. Aqui está o que o Botafogo faz.' Não, não vou falar nada não. Não vi o jogo, fala você para os jogadores. Porra, eu fui lá e falei com os jogadores. Zagallo me deu a liberdade de falar com os jogadores.
- Eu aprendi uma coisa na escola. Um professor falou para mim uma vez o seguinte: “Futebol até na pelada você aprende.' E outro falou para mim “jogar para aprender a jogar, deixar sempre os jogadores jogando e ter o contato com a bola.' Minha vida sempre foi assim. Eu sempre fui o cara de anotar tudo. E os detalhes de futebol: ter o time na mão, ter a correção do time, aquele jogador que atrapalha, aquele jogador que ajuda, o bagunceiro, o que não é bagunceiro. Você sempre tem que estar com o grupo todo na mão. Não ser chato, ser correto. Jogador de futebol para mim era o seguinte: peso é peso, horário é horário, disciplina é disciplina. Isso não abro mão. Amigo, tem balança. Peso é peso. O cara engordava um pouquinho, você vai treinar comigo de manhã e de tarde. Não ia dormir não. Eu ficava com o jogador e todas as situações que jogador ficava, eu ficava com ele. Aí, eles emagreciam.
- Vou contar uma história para vocês. Obina, jogador que conheci na Bahia. Fazendo gol. Fazendo gol. Foi pro Vitória. Fazendo gol. Fazendo gol. Não acreditava muito nele porque ele engordava. O Obina vai dar samba. Obina vai dar samba. Começou a fazer gol e veio pro Flamengo. Em um belo dia. Porra, Obina treinava de manhã e de noite, saía no peso direitinho. Chegava no outro dia, fortinho de novo. Puta que pariu. O que esse cara tá comendo de noite? Eu falei: “Obina, não come isso, não come aquilo.' Sabe como é. Aí, um belo dia: “Obina, presta atenção. Eu deixo você em casa direitinho. No outro dia você vem em casa mais gordinho. O que está havendo contigo, rapaz?'
- Obina morava perto do Flamengo e embaixo da casa dele tinha sabe o quê? Um McDonald's. “Professor, estou vendo televisão, começa a entrar aquele cheirinho pela janela, aquele cheirinho gostosinho de hamburguer e cheeseburguer. E vem minha mulher e diz: Obina, eu vou lá embaixo pegar um Big Mac. Você não quer não? Eu não resisto, professor. Ela vai e pega para mim também. A gente come um ou dois Big Mac e eu vou dormir.' Ah, você vai dormir? Aí, eu falei: chama a tua esposa. Aí, chamou a esposa no Flamengo. “Minha senhora, me ajuda. Só a senhora pode me ajudar. Se a senhora ajudar esse rapaz que está aqui, o Obina, a senhora vai morar bem. Com a filhinha no colo, pequenininha. Mas foi muito engraçado isso. A senhora me ajuda, vai ajudar sua filhinha, vai ajudar todo mundo, vai me ajudar também. Eu preciso dele, mas ele precisa também da gente. Senão, ele não vai conseguir nada, ele vai engordar e quando chegar aos 28, 29, 30 anos, ele já está fora.' Aí, peguei a neném no colo e ficava balançando a neném. “Senhora me ajuda a fazer isso? Eu vou ajudar. Nós não vamos mais comer Big Mac, né Obina? Não.' Aí, essa criança pequenininha. De repente, ela dá um risinho. Aí o Obina: ela tá rindo. “Quer ver essa criança sorrindo? Faz o que eu tô te pedindo.' Ô, papai ela tá rindo no teu colinho. Que bom! Eu vou fazer. Pode deixar, tudo bem.
- Eu fui jogar contra o Paraná, lá no Paraná, um jogo difícil para caramba. Eu já tinha ido no princípio do ano e tinha perdido lá. O time deles era fogo, pegava as pessoas lá dentro. Você sabe que no final do jogo eu falei: “Obina, chegou a tua hora, vai lá e me ajude nessa." Ele saiu e esse jogo nos classificava. Você sai um pouquinho do zagueiro, que ele não vai te acompanhar não. Fica em cima dele. Aconteceu um pouquinho mais. Deu lhe uma bomba. Saímos de lá classificados. Tomamos champanhe depois do jogo. Nós classificamos, tiramos o Flamengo daquela agonia que estava de nove jogos sem ganhar. Aí, me abraçou, me beijou. Obina é uma dama de jogador. Uma dama. Ele foi muito importante para o Flamengo. E dali ele despontou.
- Vou te explicar por que essa rigorosidade. O lutador de boxe se ar do peso, ele não luta. E ele paga uma multa. O cara de Fórmula 1. Aquela cadeira é medida para ele sentar ali direitinho. Ele engordou, ele não entra na cadeira. O cara que luta boxe, se aumentar o peso, ele vai lutar com o cara em cima dele e o cara acima dele vai meter o cacete nele porque ele não está naquela categoria. Por que jogador tem que jogar gordo? Não dá. Não tenho nada contra gordo, pelo amor de Deus. Mas tem certas profissões que nós temos que cumprir uma regra.
Joel, eu queria abordar contigo uma questão importante dessa parte da leitura de jogo contando um dos principais jogos da tua carreira, da final da Mercosul. Eu queria entender aquela alteração do Nasa pelo Viola. O que você entendeu ali naquela mudança que poderia ajudar o time? Estava perdendo de 3 a 0 e aquela mudança ali acabou ajudando o Vasco a virar contra o Palmeiras. O que você entendeu que ia mudar?
- O Palmeiras atacava muito pelo lado direito. E parece que o zagueiro central do Palmeiras, o cabeça de área do Palmeiras daquele lado, era um cara improvisado. A vitória não foi só minha. Foi dos jogadores também que fizeram aquilo que nós pedimos. Nosso time agredia muito. Com a bola era maravilhoso, mas sem a bola a gente não tinha nada. Então, eu troquei a maneira de jogar. Eu jogava com quatro no meio, joguei com três. Eu fiz uma alteração tática. O Euller e o Viola não vinham mais pelo lado. Eles vinham por dentro do campo e foi ali que a gente decidiu. O time encaixou a defesa.
- Eu fiz uma árvore que eu chamava de árvore de natal. Os caras não vinham perto pelo lado, eles vinham por dentro. Se tu ver que todo o nosso jogo era praticamente do lado esquerdo. Ali do lado esquerdo sempre tinha alguém fazendo a jogada. Sempre por ali. Todo mundo caía ali e ali é que estava o mel da jogada. E eu fiquei preocupado o seguinte. Quando eu fiz um dos gols, eles ficaram para mexer no time, mas só que nós fizemos outro gol. Aí como era lá dentro, o cara (técnico Marco Aurélio) ficou com medo de mexer porque a torcida do Palmeiras ia vaiar. Mas aí, nós vencemos o jogo.
É bom porque acaba que nesses jogos importantes você consegue ter um panorama ali...
- Eu também perdi jogo. Perdi um jogo do Flamengo, perdi aquele jogo daquele tal de Cabañas, que aquele cara me arrebentou.
Joel, eu queria falar contigo sobre relacionamento com dirigente. Como é que era normalmente o teu contato ali com os dirigentes? No dia a dia? Sempre foi profissional? Já ou por alguma situação ali de tentativa de interferência?
- Muitas. Rapaz, eu sempre deixei a porta aberta para todos os dirigentes. Eu sempre me dei bem com eles. Tanto que eu voltava. Primeiro que eu não reclamava e segundo, profissionalmente, eu falava com ele. Se quiser falar comigo, fala em particular. Quando ele queria dar ideia de querer dar opinião. Falar todo mundo fala. Mas fazer seria outra coisa. Sabe por quê? Porque na hora que o time perde, a primeira pessoa a ser cobrada é o treinador.
- E tem dirigente que você acha que interfere na equipe, mas ele não interferiu. Vou te dar um exemplo. Eurico Ângelo de Miranda nunca interferiu. Ele sempre estava lá para tentar salvar a situação. Ele falava assim para mim: “Joel, quando você veio para cá, a coisa estava difícil, ninguém queria pegar. Agora que você pegou, faz o que você acha que deve fazer. Nós já estamos satisfeitos.'
A tua chegada na África do Sul foi recomendação do Parreira?
- Parreira que me apontou. Parreira teve um problema particular e me apontou. Eu estava no Flamengo no dia do jogo desse Cabañas, entendeu? Foi no dia desse jogo que vazou. Os jogadores foram no meu quarto me pedir para eu ficar. Mas a diferença (salarial)... Eu tinha família, né? Sabe como é que é treinador. Venceu é ótimo. Perdeu... E aquilo me emocionou muito antes do jogo, porque eu quando desci, saí do vestiário e desci tinha uma corrente de criança enorme. Todo mundo me dando a mão. “Você vai embora?' Vazou rapidinho. “Não, eu não vou embora não.' Fica. No Maracanã tinha 50 mil pessoas gritando fica! Eu comecei a chorar por dentro. Eu não tenho condição. Porque tem coisas na vida que não tem condição de atuar. Mas aconteceu.
Joel, na época da tua agem na África, teve os memes aqui e você ganhou muito dinheiro depois posteriormente com as propagandas de inglês. Ganhou muita grana com isso, Joel?
- Eu não ganhei muita grana porque o pessoal me gozava muito. O meu inglês era um inglês que todo mundo entendia. Aconteceu um lance lá. Eu tinha uma intérprete que era uma menina. Era filha do Tita. Mas aí trocou por uma da região, porque ela era clara. Mas só que a minha intérprete, a do Tita, falava um português que eu entendia e tinha um inglês fluente. A outra menina falava um português de Portugal. Até eu não entendia direito. O inglês dela era meio confuso também. Chegou um dia, a imprensa, juntamente com os jogadores, falou assim: “Olha, professor, vamos fazer o seguinte. Não interessa como é que você fala. Você fala do seu jeito que nós entendemos.' É porque a menina não fala do jeito que a gente queria ouvir. Que jeito que vocês queriam ouvir? De coração, forte, entendeu? Incentivado. E as minhas preleções também a mesma coisa. Incentivava o jogador. Eu ficava conversando com os jogadores e além disso, a gente viajava a África toda e eu continuei falando do meu inglês.
- Até que um belo dia. Eu estou lá sentado. Um brasileiro. Sempre tem um brasileiro que é gozador. Falou comigo. Mas eu pensei que era um cara de lá. Eu falei: the medium, left, the right, the pressure. Quando eu vi, era um brasileiro falando. “Não, pode continuar.' Eu falei: isso vai dar sacanagem. Não deu outra. Teve música e o caramba. The right, the left. É fogo. Aquilo ali foi sucesso . Aí o que que aconteceu? Aconteceu que uma companhia de shampoo fez uma propaganda comigo. Head & Shoulders. Cabeça é head. The best shampoo is Head & Shoulders. E eu fazia com as Joelzetes. Aquilo deu um show. Era para fazer uma, fiz mais de dez. Então, conclusão: teve até música. As Joelzetes cuidando de mim e tinha outro shampoo que concorria com a gente, mas o meu estava ganhando de longe. Pra falar a verdade, eu não sei até hoje porque parou essa propaganda.
- Eu comecei a fazer outros, até apareceu do macarrão, apareceu um monte, curso de inglês, muitos cursos de inglês. Aí, eu falei: deixa eu ficar com o meu inglês mesmo, como é que está. Tá pingando todo mês, tá pingando certo. Se eu começar a falar correto, ninguém vai me contratar mais. E eu conseguia falar com meu inglês, do meu jeito, do meu modo: the right, the left, to the right, to the medium e vai por aí . Eu me divertia muito. Eu ria pra caramba. No final, começava a rir muito. A coisa estava indo tão bem que aí as Joelzetes. Aí o cara falou: agora, nós vamos fazer a principal de todas, depois de ter feito um monte delas. Qual vai ser? Vai ser você sentado em uma banheira, de calção de banho, as Joelzetes lavando a tua cabeça e te dando banho. Aí, não vai certo. Aí chega. Sorry, my friend. Já pensou as Joelzetes lavando a minha cabeça? Ah não. Não ia dar certo mesmo.
Joel, dessa tua longa trajetória de muitos títulos na carreira. Teve algum título que te faltou?
- Os títulos sempre me deixaram uma marca. E falar de algum título não é legal porque cada um tem uma história. Uma história que deixaram uma marca por onde a gente começou e por onde a gente terminou. Outro título que eu choro até hoje, aquele título que eu perdi para o Santos, que eu ganhei lá, ganhei aqui bem, de 5 a 2. Chegou lá e eu perdi o título. Você não vai ganhar sempre. Se eu fosse ganhar sempre, eu seria mais do que o Super Homem .
Qual o jogo que mais te marcou?
- Sem dúvida foi o do Cabañas e o do Santos. Teve um título também que eu perdi que o Pet bateu uma falta em cima da hora e tomei o gol. Se é do lado de cá, eu ganho o jogo. O melhor jogador foi o Júlio César (goleiro do Flamengo), agredi e era para ter ganho o jogo. No final do jogo o Pet bateu falta e fez o gol. Perder um título sempre dói, né? Também tu não pode ganhar tudo. Sempre dói um título.
Teve algum clube que você queria ter treinado?
- Eu gosto de trabalhar em time grande. Eu trabalhei no Cruzeiro, mas não trabalhei no Galo. Lá em São Paulo, eu queria ter trabalhando no Palmeiras . Um dia eu encontrei com a dona Leila por aí. Ela falou: um dia eu queria ter a oportunidade de conversar com o senhor. Nós vamos conversar. Dona Leila é fogo. O Grêmio. Eu trabalhei no Coritiba , mas não trabalhei no Athletico . Quer dizer, era até para ter trabalhado, mas eu não tive como ir lá. Enfim, você trabalhar sempre em clube grande te dá aquela motivação a mais. Agora, porque você está para ser campeão e você trabalha com um público diferente.
- Eu gosto de ver a torcida batendo pra ser campeão. É bonito. A torcida do Corinthians pra ter ideia. Eu amei um dia a gente no hotel, ela cantava salve o Corinthians, campeão dos campeões. Todo jogo ela ia. Eu peguei o Corinthians numa época terrível. O time era bom, mas os caras não se davam, infelizmente tem isso. Não dava liga .
Você sempre foi conhecido como um treinador paizão, amigo dos jogadores. O que você procurava tratar o jogador? Você tem o apelido do papai que o que o Ibson deu...
- Eu tratava o jogador como se fossem meus filhos. Eu jamais agredi o jogador em termo de baixá-lo, a não ser que ele me tratasse mal. Aí, eu ia ser rígido com ele, mas jamais no dia a dia falando com eles... Eu tinha eles como meus filhos. Essa do Ibson foi um lance até divertido e me pegou agora como papai Joel. Um belo dia, eu estou no Flamengo. O Ibson machucou, mas o Ibson não queria sair do time. Ele machucou. Ele ficou na concentração e eu não sabia. Por quê? Porque ele morava em Niterói na época. Para ir em Niterói e voltar ia ficar difícil. Ele ficou concentrado. E toda preleção, os jogadores que estavam no DM, eu mandava ir para a preleção. Por quê? Para saber o que estava acontecendo. ava duas semanas fora para depois voltar. O prédio já estava construindo. Futebol não para.
- Até que um belo dia. Eu estou na preleção. Falei tudo, alguém quer falar alguma coisa? Ele levantou o dedo. “Por favor, o que você quer falar? Professor, negócio é o seguinte quando eu estou concentrado, o senhor vai no meu quarto. Me dá beijo, desliga e liga minha televisão, conta uma piada para mim. Conta uma história, eu fico feliz da vida. Eu vou dormir. Agora eu não estou concentrado, você não a no meu quarto? Ih Ibson, eu esqueci que estava concentrado. Me desculpe. Essa noite eu vou lá.
- Aí fui lá no quarto dele: “e aí, rapaz, está melhorando? Daqui a pouco, eu já estou bom, professor. Vou voltar.' Chegou no outro dia. Alguém quer falar alguma coisa? Que que tu quer, Ibson? Galera, eu quero falar para nós todos. Esse homem que está aí não é um treinador. Ele é mais do que um treinador. Ele vai no nosso quarto, me cobre, faz isso, me dá aquilo. E às vezes a gente faz um esforço danado para ficar bom, para voltar e para ajudar ele também. Então, na minha opinião, nós não vamos chamar mais de técnico Joel Santana, vamos chamar ele de papai Joel. Daqui para frente, você vai ser chamado de papai Joel. Aquilo me emocionou. Aí a imprensa soube. Aí pronto, aí pegou o papai Joel. Hoje todo mundo me chama de Papai Joel.
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